domingo, 5 de outubro de 2014

O Clichê que acusa o eleitor

          Em tempos de eleições, posando de honesto, ético e correto, vejo muita gente expressa impropérios sobre o ato de votar. Formadores de opinião, gente religiosa, pessoas estudadas, ouço dizer: "faça a escolha certa na hora de votar..."; "não vote em ladrões..."; "escolha quem é honesto..."; "a situação atual do Brasil é fruto das nossas escolhas..." Esses e outros clichês  você deve ter ouvido ou dito muito nesses últimos dias. A conclusão que se ouve é a seguinte: se há corruptos no governo, a culpa é do eleitor que os escolheu. Para mim, é um "des-serviço" à democracia acusar o eleitor dos desmandos dos políticos.
          Pra começar, pergunto: o que é votar certo? Significa votar em quem? No PT? no PSDB? No PSB...? Quando digo "vote certo", o que mesmo estou querendo dizer? Em quem estou pensando? Se faço tal afirmativa é porque o meu candidato é o mais indicado. Isso é "votar certo"? Ao escolher o candidato que me parece mais honesto, ele está livre de atos de corrupção? Escolher certo é escolher quem?
          Quando digo pra não votar em "ladrões", estou falando apenas daqueles que já foram descobertos? E os que roubam mas não sabemos? Os honestos são aqueles que não tiveram suas atitudes incongruentes anunciadas na mídia?
          Sabemos que é muito difícil saber quem é honesto de verdade, porque quem não o é age na "calada da noite". Sabemos da (des)honestidade de alguém pela mídia que hoje se apresenta como a mais desonesta fonte de informação. Não é possível ter certeza da honestidade de nenhum político. Se somos surpreendidos até com pessoas que convivem conosco, imagine com políticos. Aqueles de quem não temos más notícias, continuam sendo referências para nós, mas não podemos ser ingênuos e acreditar que no sistema em que vivemos é seguro que nosso voto tenha sido dado a um candidato honesto.
          Amigos, as escolhas políticas são subjetivas. O problema é que vemos nossas opções políticas com o senso comum e ingenuidade a ponto de expressar clichês como se fossem verdades inegociáveis. Daí, não sabemos ser justos e imparciais no julgamento das atitudes dos nossos políticos e, nossas avaliações, na maioria das vezes não tem criticidade, seriedade, racionalidade.
          O despautério está na falácia dos clichês irresponsáveis que acusam o eleitor de ser o causador das mazelas do país. Dizem: se há político desonesto, foi porque você o escolheu nas urnas, portanto, você errou o voto e torna-se o responsável pela situação caótica em que vive o país.
          Comete um desserviço à democracia aqueles que bradam acusações contra as escolhas dos eleitores. Ao fazer nossas escolhas, estamos confiando em alguém que irá nos representar no mundo político para que nossas propostas sejam efetivadas e promovam o bem social. Ora, ao escolher um candidato que parece ser honesto e, se após eleito ele for acusado de atos de corrupção, a culpa não é do eleitor, afinal, a má ação é de inteira responsabilidade de quem a pratica.  Aquele que foi escolhido democraticamente tem a obrigação de ser honesto e dedicado ao serviço público. O eleitores não podem escolher os “ficha-sujas”, mas não são culpados pelos atos danosos dos corruptos. Precisamos acabar com esse discurso “fácil” que coloca o fardo pesado nas costas do eleitor. Quem roubou seja punido. 
          Votar é escolher alguém que assumirá uma responsabilidade conosco, o voto é uma aliança, um compromisso entre duas partes: ele se compromete com o bem da comunidade e eu me comprometo em avalia-lo e cobrá-lo pelos serviços que me prometeu. Em outras palavras, o compromisso político é como o casamento: se não houver presença, proximidade e compromissos entre as partes, será dissolvido, quebra-se a relação. É preciso votar e permanecer conectado com o representante eleito. Acontece que, depois das eleições os eleitores esquecem os políticos e esses, sorrateiramente somem do dia-a-dia da população, sem que os eleitores exijam prestação de contas: não cobram, não avaliam suas ações, não procuram saber onde estão, se trabalham, o que fazem. Assim, alguns formadores de opinião, posando como responsáveis pela condução da democracia, bradam clichês conservadores tais como: “o seu voto muda os rumos do país”. Desconfio desses  dizeres. Não é apenas o voto que transforma uma realidade, o que muda é presença ativa, comprometida, a participação na vida política.
           Devemos exigir reparação, precisamos protestar, sugerir, interferir, debater, acompanhar os projetos. Não podemos ficar desligados da política após as eleições. O nosso maior compromisso vem depois da escolha dos nossos candidatos: se não estamos em sintonia com eles, estamos sendo obstáculos à construção e evolução da sociedade. O problema da corrupção e tantos outros não está somente na escolha dos políticos, está na ausência e distância entre os políticos e os eleitores após o pleito. Portanto, nosso compromisso político-eleitoral começa nas urnas e continua a partir de janeiro, quando devemos acompanhar as ações dos nosso governantes. Não nos empolguemos com a beleza da Democracia que nos dá o direito de votar, isso não muda nada, se ficarmos esperando que nossos representantes pensem e ajam por nós.
          Não desmereço os cuidados na escolha de pessoas honestas e adequadas para a tarefa política, mas de nada valerá o esforço sem o constante acompanhamento do eleitor às ações dos políticos eleitos. Quem sabe a partir disso deixemos um pouco de lado o velho clichê que acusa o eleitor dos crimes do políticos corruptos. Oxalá, não sejamos preguiçosos e nos comprometamos com a democracia que exige compromisso dos dois lados. Escolha com responsabilidade, vote sem medo, respeite os que forem eleitos. As escolhas nas urnas podem ser subjetivas, mas as necessidades que temos são concretas e é com estas que devemos lidar, lutar, reivindicar e protestar.
             É fácil dizer ao eleitor que ele errou o voto. Mais honesto e eficaz é comprometer-se com o povo junto com ele cobrar dos políticos a execução dos projetos, protestar por melhorias na educação, na saúde, na cultura, na segurança... Mover-se depois das eleições garante o país mais justo que tanto desejamos.
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