“Já lhe foi explicado o
que é bom e o que Deus exige de você: é apenas que pratique a justiça e o
direito, amar a misericórdia e, com simplicidade, caminhar com Deus” (profeta
Miquéias 6, 8).
Queridos irmãos e irmãs da nossa arquidiocese,
concluída a Copa do
Mundo começa agora, com maior intensidade,a campanha eleitoral em preparação às
eleições de outubro. Como pastor dessa Igreja que nós juntos constituímos, me
sinto no dever de partilhar com vocês algumas preocupações e propor critérios
para a nossa participação como cidadãos/ãs e como cristãos/ãs, nesse importante
momento do país.
Há cristãos que ainda pensam que a fé possa ser desligada da
realidade concreta. Se nos desinteressamos pelo processo político, corremos o
risco de deixar a Política nas mãos dos que não buscam o interesse comum. Como
afirmou o papa Francisco: “Apesar de se notar uma maior participação de muitos
(cristãos) nos ministérios laicais, esse compromisso (de fé) não se reflete
ainda suficientemente na penetração dos valores cristãos no mundo social,
político e econômico. Limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem
um empenho real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade” (EvangeliiGaudium,
n. 102).
Graças a Deus, no caminho ao qual o papa Francisco nos chama, a
nossa arquidiocese tem uma longa e bela caminhada que devemos honrar e
aprofundar cada vez mais. Desde que, há 50 anos, Dom Helder Câmara chegou como
pastor de nossa Igreja arquidiocesana, cada vez é maior o número de cristãos
que descobrem que nossa vocação batismal nos chama a ser testemunhas do reino
de Deus nesse mundo, pelo esforço de transformá-lo. Já nos anos 60, o papa
Paulo VI ensinava que a nossa caridade deve ter uma dimensão política.
Concretamente, ela se expressa no cuidado com a coisa pública e em uma educação
crítica que nos ajude a compreender melhor a realidade e a discernir nela o que
Deus pede de nós como cidadãos e como discípulos de Jesus.
Desde a 2a Conferência
do Episcopado Latino-americano em Medellín, Colômbia, (1968), a nossa Igreja se
comprometeu a se colocar como serviço à causa da libertação integral de toda a
humanidade e de cada pessoa por inteiro (Med 5, 15). Por isso, nossa Igreja
desenvolveu diversos setores de pastoral social, cujo objetivo é servir, de
maneira especial, a todos os empobrecidos do campo e da cidade. Inseridos na
medida do possível, na caminhada dos movimentos sociais, queremos colaborar com
a transformação da sociedade.É com esse horizonte que lhes escrevo. Tendo feito
algumas observações sobre nossa motivação evangélica e espiritual a partir da
qual devemos atuar, sugiro agora algumas considerações sobre o momento atual em
que vivemos e proponho algumas pistas concretas de ação para a nossa
participação nesse processo eleitoral e mesmo depois.
1 – Um olhar rápido sobre a realidade.
Na análise da conjuntura que a CNBB ofereceu em seu site no mês de
abril passado, se afirmava que, para essas próximas eleições, se descortinam
duas tendências. Uma é dos que querem garantir a continuidade das conquistas
sociais e daquilo que consideram serem mudanças realizadas pelo governo nessa
última década. Outra é a das pessoas e candidatos que dizem lutar por mudanças
profundas do país e do governo. O importante é discernir se esses políticos que
propõem mudanças o fazem a serviço da melhoria de vida da maioria da população
ou se pensam apenas neles e na elite social a que pertencem.
Em geral, é a população que sofre no dia a dia as precárias
condições dos serviços públicos de saúde, de educação e do transporte inadequado.
Em nossas cidades precisamos de mudanças profundas na organização e serviços à
sociedade. Não podemos nos iludir de que tais transformações dependam apenas de
pessoas a serem eleitas. É a própria organização social e política do Brasil
que está em questão.
2 –Critérios que poderão ser úteis para participarmos bem dessas
próximas eleições:
1o – Como
dizia em recente campanha educativa de várias entidades:“voto não se vende, nem
se negocia” ou “voto não tem preço, tem consequência”. O voto deve ser dado
conforme nossa consciência e não por qualquer outro motivo, como parentesco,
apadrinhamento, interesse de emprego ou qualquer outra razão.
2o - Em
um regime de eleições proporcionais como é o caso atualmente, queiramos ou não,
o voto é dado em primeiro lugar ao partido do candidato e somente vai para o
candidato escolhido, se o partido tiver o necessário quociente eleitoral. Essa
é a legislação em vigor. Assim sendo, mais ainda, é importante que a nossa
escolha seja consciente por concordarmos com o que aquele partido escolhido por
nós propõe como programa para o país.
3o – É
comum que as campanhas sejam feitas na base de promessas e propagandas, muitas
vezes sedutoras e enganosas. Devemos sempre analisar o interesse dos meios
de comunicação de massa e também a vida anterior dos candidatos em questão,para
discernir se as promessas feitas agora correspondem ao que ele tem feito e se
não se trata de propaganda enganosa.
4o –
Nenhum candidato é perfeito ou preenche todas as condições desejáveis. Às
vezes, o candidato tem propostas que nos agradam no plano da moral pessoal e
institucional. No entanto, está ligado a interesses dos grandes latifundiários
na concentração de terra, na oposição à Reforma Agrária e à demarcação de
terras indígenas. Apresenta-se como cristão tradicional, mas não tem posição
clara em relação à defesa da vida desde sua concepção até seu fim natural. Para
resolver o problema da violência urbana, propõe a diminuição da idade penal, é
a favor da pena de morte e assim por diante.Temos sempre de julgar no conjunto
e não vendo apenas um aspecto.
5o – O
cristão vive, pensa e age a partir de sua fé. A fé o conduz a trabalhar pelo
bem comum. Isso requer organização e participação cidadã. É preciso discernir
os partidos e candidatos a partir dos seus princípios éticos, sociais e
religiosos e se estão dispostos a colaborar para o avanço.
3 – Um olhar para além
das eleições de outubro
Devemos participar de forma justa e lúcida nessa campanha, assim
como participar corretamente dessas próximas eleições. No entanto, para não
sofrermos mais decepções, é importante relativizar esse processo eleitoral e
sabermos como nos conduzirmos para além desse momento.Atualmente,
a parte mais sadia da sociedade brasileira e dos movimentos sociais têm
consciência de que sem uma profunda Reforma Política não conseguiremos vencer a
corrupção e estabelecer as bases profundas de uma sociedade mais justa e
igualitária. Para isso, a CNBB, OAB e várias outras entidades da sociedade
civil propõem um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, visando elementos
necessários para uma reforma política. Os movimentos sociais organizados
preveem para a Semana da Pátria a realização de um Plebiscito Popular no qual o
povo brasileiro será consultado se deseja a criação de uma Assembleia Nacional
Constituinte exclusiva para a Reforma Política e Soberana.
Como cristãos, devemos apoiar e participar dessas iniciativas que
visam a transformação justa da sociedade e da organização do Estado. Como
escreveu São Paulo: “Estejam atentos para a maneira como vocês vivem. Não sejam
ingênuos, mas pessoas sensatas. Aproveitem bem o tempo, porque esses dias são
maus... (Em meio a essa realidade), procurem compreender a vontade do Senhor”
(Ef 5, 15 e 17).
Concluo recomendando a leitura da carta dos bispos do Brasil, que
se encontra no site da CNBB (www.cnbb.org.br),
aprovada na última Assembleia Geral em Aparecida-SP, cujo título é: “PENSANDO O
BRASIL: DESAFIOS DIANTE DAS ELEIÇÕES 2014” (Desafios da realidade
sociopolítica).
Deus os/as abençoe e os/as ilumine nesse caminho.
Dom Antônio Fernando Saburido