“Esta
carta, escrita para D. Traiano Trabisonda, fora provocada por sua Emcia (o
Cardial) Castelli que dela se queria servir no conclave; de tão grande estima
gozava Afonso! Melhor, porém, será citar as palavras de Tannoia que (no Livro
III, cap. 55) assim escreveu: ‘O eminentíssimo Castelli, bem sabendo como era
grande o prestígio que Afonso tinha diante de todos, pelo espírito de Deus que
o animava, e o peso que sua autoridade tinha junto dos Cardiais, quis (estando
próxima sua entrada para o Conclave) que ele, como que respondendo a uma pessoa
zelosa e amiga que lho tivesse pedido, redigisse uma carta com os principais
abusos que se deviam afastar da Igreja e da hierarquia eclesiástica, e outras
coisas que devessem ser levadas em conta na eleição do novo Papa.
O
Cardial fez esse pedido para apresentar a carta no Conclave, para que se
elegesse um Papa como as circunstâncias exigiam. Ruborizou-se Afonso com essa
ordem; todavia, tanto por zelo pela glória divina, quanto para obedecer a um
Eminentíssimo que ele tanto estimava, primeiro recomendando-se a Deus, assim
lhe respondeu em 23 de outubro de 1774...’.”
Vivam Jesus, Maria e José!
Arienzo, 24 de outubro de 1774.
Meu amigo e Senhor, quanto a minha opinião,
que me pede no tocante às questões atuais da Igreja e à eleição do Papa, que
opinião irei dar eu, miserável ignorante, e de tão pouco espírito como sou?
Digo apenas que são necessárias orações e
grandes orações; por outro lado, para livrar a Igreja do estado de relaxamento
e confusão em que se encontram universalmente todas as classes, não basta toda
a ciência e prudência humana, mas é preciso o braço onipotente de Deus.
Entre os bispos, poucos são os que têm zelo
verdadeiro pelas almas.
As comunidades religiosas quase todas, e sem
quase, estão relaxadas; isso porque nas ordens, na presente confusão das
coisas, falta a observância e perdeu-se a obediência.
No clero secular ainda é pior: ali é preciso
fazer uma reforma geral de todos os eclesiásticos, para assim dar conserto à
grande corrupção dos costumes que reina entre os seculares.
E por isso precisa pedir que Jesus Cristo nos
dê um Chefe da Igreja que, mais que de doutrina e prudência humana, seja dotado
de espírito e de zelo pela honra de Deus, e esteja totalmente afastado que
qualquer partido ou respeito humano; isso porque se, para nossa desgraça, nos
vem um Papa que não tenha diante dos olhos apenas a glória de Deus, pouca
assistência lhe dará o Senhor, e as coisas, como estão nas presentes
circunstâncias, irão de mal a pior.
As orações podem remediar a tanto mal,
obtendo de Deus que ele intervenha com sua mão e dê conserto.
Por isso, não apenas mandei que todas as
casas de minha mínima Congregação supliquem a Deus, com mais atenção que
ordinariamente, pela eleição desse novo Pontífice; mas também na minha diocese
ordenei a todos os sacerdotes seculares e regulares que façam na missa a colletta pro electione Pontíficis [a
oração pela eleição do Papa]; e gostaria que o Senhor inspirasse ao Sacro
Colégio escrever a todos os Núncios dos reinos cristãos que, em nome do Sacro
Colégio, ordenassem essa oração na missa a todos os sacerdotes.
Essa a opinião que posso dar, eu miserável.
Por essa eleição do Papa não deixo de rezar
mais vezes ao dia; mas, que podem minhas frias orações? Mas, apesar disso, pelos
méritos de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, confio que, antes que me chegue
a morte, que está muito próxima devido à idade tão decaída e à enfermidade em
que me encontro, o Senhor haverá de me consolar fazendo-me ver consolada a
Igreja.
Acrescento: Amigo, também eu, como vossa
Ilustríssima, gostaria de ver reformados
tantos desconsertos atuais; e saiba que quanto a isso me giram pela mente mil
pensamentos que eu muito gostaria de manifestar a todos; mas depois, olhando
para minha mesquinhez, não tenho coragem de apresentá-los em público, para não
dar a impressão de querer reformar o mundo. Para meu desafogo, sem muita
confiança porém, confio-lhe meus desejos.
Em primeiro lugar, desejaria ardentemente que
o futuro Papa (uma vez que faltam agora muitos Cardiais que se devem nomear)
escolhesse, entre os que lhe forem propostos, os mais doutros e zelosos pelo
bem da Igreja; e que preventivamente intimasse aos Príncipes, na primeira carta
em que lhes comunicar sua elevação, que, ao lhe pedir o Cardinalato para algum
favorito, não lhe proponham senão pessoas de comprovada piedade e doutrina,
porque do contrário não poderá aceitá-los em boa consciência.
Desejaria ardentemente que ele fosse forte na
recusa de novos benefícios àqueles que já estão providos de bens da Igreja, o
suficiente para sua manutenção conforme àquilo que é conveniente a seu estado.
Que nisso se usasse toda a força contra todas as pressões.
Desejaria ardentemente ainda que se impedisse
o luxo dos prelados, e por isso se marcasse para todos (do contrário não se
remediaria a nada) se marcasse, digo, o número do pessoal de serviço conforme
cabe a cada classe de prelados: tantos camareiros e não mais; tantos servos e
não mais; tantos cavalos e não mais; para não continuar dando motivo aos
comentários dos hereges.
E mais! Que se cuidasse mais de só conferir
benefícios a quem serviu a Igreja, e não a pessoas particulares.
E mais, que se tivesse todo o cuidado na
escolha dos bispos (dos quais principalmente depende o culto divino e a salvação
das almas) procurando-se de mais fontes informações sobre sua vida e doutrina
necessária para governar as dioceses; e que também sobre os que já governam uma
diocese se exigisse secretamente dos metropolitas e de outros informação sobre
aqueles bispos que pouco cuidam do bem de suas ovelhas.
Desejaria ardentemente ainda que se fizesse
saber por toda parte que os bispos descuidados, e que estão falhando ou quanto
à residência ou quanto ao luxo do pessoal a seu serviço, ou quanto a despesas
exageradas em móveis, banquetes e semelhantes, serão punidos com a suspensão ou
com o envio de vigários apostólicos para corrigir suas falhas; para que sirvam
de exemplo de vez em quando segundo a necessidade.
Exemplos desse tipo fariam que estivessem
atentos e se moderassem todos os outros prelados faltosos.
Desejaria ardentemente ainda que o futuro
Papa fosse muito reservado no conceder certas graças que prejudicam a boa
disciplina, como seja permitir que religiosas saiam de sua clausura por pura
curiosidade de ver as coisas do mundo, conceder facilmente aos religiosos a
licença para se secularizar, devido aos mil inconvenientes que disso resultam.
Sobretudo desejaria que o Papa reconduzisse
universalmente todos os religiosos à observância de seu Instituto original,
pelo menos nas coisas mais principais.
Ora vamos, não quero aborrecê-lo mais. Nada
mais podemos fazer senão suplicar que o Senhor nos dê um Pastor pleno de seu
espírito, que saiba estabelecer as coisas às quais acenei brevemente, conforme
melhor for para a glória de Jesus Cristo.
E com isto lhe presto minha muito humilde
reverência, enquanto com todo o respeito me declaro de Vossa Ilustríssima
devotíssimo e obrigadíssimo servo, Afonso Maria, bispo de Sant’Ágata dos Godos.
(Tradução de Fl. Castro. Fev.2013)