domingo, 30 de março de 2014

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O CHEIRO DAS OVELHAS E O PERFUME DO EVANGELHO

O Papa Francisco é um fenômeno indiscutível, tanto no mundo religioso quanto secular. É um homem de fina percepção das realidades humanas, sensível aos acontecimentos mundiais, com ampla visão sobre os sistemas que atingem as sociedades e o indivíduo. Em sua Exortação “Apostólica Evangelii Gaudium”, tratando sobre a “transformação missionária da Igreja”, diz que a Igreja deve estar em constante atitude de saída de si mesma para evangelizar com alegria e ousadia evangélica a todos, sem exceção. Assim, “a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o “cheiro das ovelhas”, e estas escutam a sua voz” (Cap I).
Para Francisco, todas as mudanças devem acontecer “a partir do coração do Evangelho” que é “a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado”. Se a evangelização não for motivada a partir disso, “a mensagem correrá o risco de perder o seu frescor e já não ter ‘o perfume do evangelho’”. E para exalar esse aroma evangélico, é preciso que aconteçam urgentes transformações que atinjam todas as instâncias da Igreja: as paróquias as comunidades de base e movimentos, as Dioceses, os bispos, como também o papado.
“Cheiro de ovelha” e “perfume do Evangelho”, termos que revelam profundidade no processo de evangelização. O olfato é um dos sentidos que nos ajudam a conhecer e experimentar as realidades da vida, do mundo em que vivemos. No sentido figurado, é o instrumento essencial para a eficácia do evangelizador, do pastor, do profeta, do sacerdote.
A tarefa do evangelizador pode ser análoga ao trabalho do perfumista, que combina os diferentes cheiros para produzir o perfume com o aroma desejado. Não se trata de forjar alhures uma fragrância para impô-la em oposição ou negação ao “cheiro das ovelhas”.  Evangelizar é a capacidade de potencializar o “perfume do Evangelho” que já se encontra ungido nos corações humanos para que Deus receba e aspire e reconheça como seu o mais belo, nobre e agradável odor que O glorifica.
O olfato auxilia a construir a memória de fatos importantes da vida. A Eucaristia faz presente à memória do Sacrifício de Jesus na Cruz que salvou a humanidade. Pela Eucaristia celebrada nas comunidades cristãs, o aroma do Evangelho tem sabor de pão e vinho e é lançado e impregnado no corpo e na alma dos cristãos. Eucaristia tem cheiro de pão partilhado, de alegria comunitária, de encanto pelo Mestre, de fraternidade festiva, de gratuidade relacional. Cada ação inspirada pelo Evangelho, seja individualizada ou em grupo é o momento em que se exala as fragrâncias do Evangelho.
 O “Santo Sacrifício” é o momento de reconhecer, purificar e renovar o “perfume do evangelho”, que contém a “identidade odorífera” da morte e ressurreição de Cristo: as lágrimas, os prazeres e os sofrimentos do povo, são levados ao altar eucarístico onde é exalado como incenso saboroso que chega aos “sentidos de Deus” que os internaliza em seu bondoso coração. Todo sofrimento e toda alegria devem ser levados ao altar Eucarístico e celebrados com vivacidade, oferecidos como incenso saboroso que chega aos “sentidos” de Deus, que os recebe em seu bondoso coração. Podemos dizer que é estéril um esforço evangelizador que não seja fruto de muita oração, sem o profundo envolvimento dos agentes evangelizadores com o seu povo.
Quem se propõe ser evangelizador não pode viver “em gabinete”, distante do povo, sem o constante contato pessoal com seus irmãos. O resultado seria o mesmo de uma pessoa acometida de anosmia (pessoa que não sente cheiro e também tem seu paladar comprometido) querendo ser perfumista. É a relação de proximidade que vai criando afeto, sentimento de pertença e atitude de defesa do seu povo. Quem evangeliza apenas nos espaços virtuais, jamais será um “bom Pastor” que dá a vida por suas ovelhas, nunca sentirá o “cheiro das ovelhas” nem exalará o “perfume do evangelho”.
O Pastor que vive entranhado na vida das suas ovelhas, adquire identidade evangélica forte, resistente, segura, porque trará em si um pouco do “cheiro” do seu povo. Com o tempo; aos poucos vai aprofundando a sensibilidade necessária para perceber os gritos silenciosos e os sorrisos escondidos nos rostos que transitam. Assim, vai se aperfeiçoando na arte de sentir e perceber os sofrimentos e esperanças do seu povo. A comunidade que ele pastoreia o reconhecerá como Pastor, porque sua identidade exala do “perfume do Evangelho”
Com novos ares renovando a vida da Igreja, é tempo de ousar novas ações evangelizadoras e espalhar o “perfume do Evangelho” que é a essência da Palavra de Deus combinada com o “cheiro das ovelhas”. Que cada um de nós deixe-se penetrar do novo e agradável odor que renova, motiva e revitaliza a caminhada até o Cristo caminho, verdade e vida.

José Torres, CSsR


[i] Conferir: http://pt.wikipedia.org/wiki/Olfato
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